Tentei morar de frente para o mar...

Litoral do Paraná. Teimei em morar de frente para o mar. Difícil encontrar um bom imóvel. Tudo caro ou afastado demais. Mais difícil que encontrar casa foi encontrar uma escola para meu filho. Ele é uma criança especial. “Escolinhas não querem especiais por perto.” Após a educação infantil, diga-se de passagem , onde fomos muito bem atendidos pela rede municipal nos CMEIS de Pontal do Paraná, a necessidade de uma escola integral no 1º ano fez as possibilidades resultarem em uma única opção, na rede particular. E só em Paranaguá, município vizinho. Em uma visita ao que parecia ser opção, a infra estrutura já condenava a escola por si só : uma casa adaptada da forma mais antipedagógica que eu já tinha visto. E ao perguntar sobre inclusão, o olhar de desconfiança, de falta de preparo e da conversa de que talvez o ideal não fosse matriculá-lo ali. Você pode achar que não é problema seu. Engana-se. É em escolinhas como essas que seus filhos estão estudando. Aprendem o preconceito desde cedo. Aprendem a afastar quem parece diferente deles.

Na então única opção, o ledo engano de ter encontrado uma equipe receptiva e uma infraestrutura adequada : laboratório de informática ( paixão do Enzo), aulas extra curriculares de música, futsal...um bom parque, atividades de recreação, material de alfabetização adaptado se preciso, enfim, não parece uma solução ?Pois é, não demorou muito para ter a decepção : não era a opção menos pior, era uma das piores.

Primeiro, a tal de recreação em um dos turnos parecia não existir. No início, uma mistura coletiva de crianças de todas as idades em uma única sala, de cara não deu certo. Imagine uma criança como o Enzo, portadora de Síndrome de Willians, com hiperacusia, num berçário com vários bebês chorando...Inclua ainda atividades que não causavam interesse para uma criança com quadro de hiperatividade e déficit de atenção e crianças entre 2 e 3 anos na fase de morder...Não demorou e uma atitude coerente: separar os menores dos maiores. Até concordo em métodos que possibilitem esta convivências, mas desde que a equipe seja preparada e as atividades muito bem selecionadas. Não era o caso.

Segundo, não fechou uma turma de informática, o laboratório ficava lá de enfeite...a musicalização também não, enfim ficou o futsal, e como o Enzo faz o estilo “intelectual”, bastaram duas aulas, alguns chutes a gol mal sucedidos que resultaram em pânico e choro. Adeus atividades diferenciadas.

Para piorar, a professora da turma do 1º ano sequer era formada. Estudante do 3º ano de Pedagogia. Não tinha domínio nenhum da turma. Nunca a vi dando um abraço no meu filho. Afetividade não era uma de suas características. Insistiram no mesmo material. Enzo que sempre se destacou com suas histórias, canções, capacidade de comunicação entre outras potencialidades, passou a ser um problema. Uma sucessão de “acidentes” aconteciam. Me dava calafrios chegar no portão para buscá-lo, ouvir seu nome e ver que ele não vinha. Lá ia eu para a sala da direção e lá estava ele sendo atendido. Trauma bucal, joelhos roxos, arranhões, mordidas...Tudo acontecia com ele, parecia que não havia adulto por perto.

Aí, vieram os surtos. Enzo ficava nervoso em sala e se auto agredia. Chorava. A então “professora” apesar de todos os laudos ( os quais sequer ela deve ter lido), relato dos acompanhamentos( não era á toa que não nos olhava nos olhos, não deve ter escutado uma só palavra), entre todo o auxílio realizado na tentativa de inclusão, comete o absurdo de escrever na agenda que procurasse um analista porque ele comprometia a  integridade física das outras crianças. Me devolviam ele ao final do dia machucado, mas ele é que comprometia, ah tá...

Óbvio, quanto um mais um é dois: o ambiente em que estamos inseridos influencia no nosso comportamento ( será que a escola já ouviu falar de Vygotsky?) e que toda ação resulta em reação. A escola atestou sua incompetência quando após “ nos convidar a se retirar” de uma maneira muito cínica, dizendo que eu não estava satisfeita, começou a reclamar de tudo que Enzo fazia.

Questionaram até o fato de porque ele não estava em uma escola especial...ora, porque ele não precisa de escola especial...mas eu, mãe, era tratada como uma ignorante...então de tanto ouvir a palavra APAE por parte da diretora, mesmo já anos antes ter ido conversar sobre o diagnóstico e possibilidades e ter sido orientada a colocá-lo em escola regular, pedi uma avaliação. Fizemos toda a trajetória de anamnese, estudo de caso, enfim e o resultado não foi outro : Enzo deve frequentar escola regular e necessita de terapia ocupacional, sugeriu-se natação ( tudo o que ele já faz),mas o ápice do parecer foi: MUDAR DE ESCOLA. Sabe aquela máxima : eu sabia que tinha razão? Intuição materna não falha!

Claro que a esta altura, isto já estava previsto. Já havia feito uma denúncia junto ao Núcleo Regional de Educação e todos estavam a par do caso. Como a sucessão de fatos absurdos culminou em junho, foi questão de tempo, de esperar as férias de julho.

Ter um filho especial não é nenhum drama, nenhum peso, nenhum problema. Basta que os outros não perturbem. Os pais de crianças especiais não querem favores nem comiseração. Pelo contrário: sentem um orgulho desmesurado de seus filhos. O que eles querem é que as crianças tenham a oportunidade de conviver com outras crianças. Nada de muito complicado. O maior entrave para o crescimento do país é a nossa infinita ignorância. Mas para a ignorância o antídoto é o conhecimento. Pior é a falta de sensibilidade do ser humano. Eu lamento que meu filho tenha que ter pago um preço alto para mobilizar toda uma rede de pessoas a repensar na questão da inclusão. Mas foi necessário, não foi em vão. Desisti de ter um apartamento de frente para o mar, optei recomeçar e lutar em outro lugar, mas espero que um dia, todos tenham o direito respeitado de ter uma escola e quem sabe, de ter um apartamento de frente para o mar...

( Com adaptações do texto : Deficientes discriminados de Diogo Mainardi)

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